Pessoas Lindas!

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Aprendendo com o tempo (Ode a 'Clair de Lune')

*Especial para Naznin


Abertura 4ª Mostra de Dança (2006)


'Clair de Lune' foi amor à primeira vista em minha vida. Ouvi pela rádio 'Unesp' em Bauru, em meados de 1995, quando morava e estudava por lá. A Rádio Unesp tinha uma programação incrível e um dos programas era somente com música erudita. Lembro que gravei uma fitinha e ouvia repetidas vezes a música composta por Claude Debussy.


Debussy (1893)
Dez anos depois, na minha Pós-Graduação em Arte Terapia, fiquei extasiada ao descobrir que teríamos um módulo todinho só para falar de Debussy. E foi ali que conheci Vasili Kandinsky e seu livro 'Do Espiritual na Arte' e de como ele falava da importância do impressionismo para a arte espiritual, tendo Debussy e sua música, como um de seus maiores representantes.


'Nascer do Sol' Monet
O livro mudou minha maneira de produzir espetáculos, e mudou também minha dança, tanto que utilizei o livro como tema da minha 4ª Mostra e decidi: dançaria 'Clair de Lune' na abertura do espetáculo, inspirada em Lulu  e sua Rapsódia (quando ela dançou com um piano no palco, eu fiquei com muita vontade de fazer o mesmo!!)


Lulu (piano ao fundo) (2003)
O fato é que, isso marcou minha vida. Sabe, um daqueles momentos em que você sabe que está fazendo algo especial?


Meus eventos têm o apoio da prefeitura municipal e me lembro como se fosse ontem, na reunião com a saudosa Diretora de Cultura, a Dora, ela dizendo:
"Mas Luciana, como você vai colocar um piano no palco? Ah, eu acho que isso não vai dar certo não!"
Mas, como sempre, Dora me ajudou a realizar o show, do jeitinho que eu queria.

A melhor parte, foi convencer Beatriz Sala a tocar para mim. Beatriz é filha do Pedrinho, o 'Seu Pedrinho', um ícone em minha cidade, que possui um convervatório que existe há mais de cinquenta anos. Ele, clássico, sisudo, elegantérrimo, e Beatriz, a Rainha, a filha, a delicadeza em pessoa. Beatriz só tocava em recitais e audições. Musicista com formação, regente, professora.
E eu, uma formiguinha na dança e na vida, mas sempre sonhando alto.
Fiz o convite.
Ela aceitou na hora. Mas me disse:

'Será um desafio para mim. Não vou estar no meu lugar seguro, que é o conservatório, mas sim num palco e com uma bailarina ao meu lado. E tocando Debussy, que há anos não pratico! Mas eu quero fazer isso!'


Beatriz (Teatro da UNIP - 2008)
E assim iniciamos os treinos. Eu em casa, tentando fazer uma dança que fosse só minha, espirutal, como propunha o livro, me libertando de passinhos prontos, modelos, exemplos. Algo que tivesse tudo, ballet, contemporâneo, dança do ventre e ao mesmo tempo, tivesse nada, apenas um sopro, um sonho, uma 'impressão'.

Não coreografei. Fui ao conservatório apenas uma vez, para ver como Beatriz estava se saindo. Combinamos a pose inicial e final, eu ao lado do piano.

Decidi que iria usar uma roupa 'estranha', branco e prata, o clarão da Lua. Mas algo que fosse incomum, para que a platéia tivesse sua própria impressão. O impressionismo minimizado ali, naqueles metros de palco, com Beatriz e eu tentando dizer algo.

E cada um entendeu, a sua maneira.
E eu dancei, como há anos não fazia.
Sem coreografia ou lugar marcado.
Sem minuciosidades nem a técnica bonita.
Sim, reconheço: um pouco acelerada, afobada, uma mistura total.

Hoje, com certeza seria uma dança mais limpa, calma, delicada.
É gostoso ver o vídeo hoje, com um bloco de anotações para anotar todos os erros e pontos a melhorar. Nunca tive vergonha de dançar, nem da maneira como danço.
Porque sei que com treino, dedicação e tempo, tudo se corrige.
O tempo também ensina a gente a dançar.
Mas foi o que senti naquele momento.
Foi 'Clair de Lune' e eu.
E observar como o espetáculo em si evoluiu em apenas dois anos.
Iluminação, cenário, profissionais de foto e filmagem, a busca pelo melhor.
E houve um momento mágico em cena.
No minuto 3'13'', quando vi meu marido na platéia. Ele me olhava como se eu fosse o ser mais lindo que já caminhou na terra. E por dez segundos, eu dancei apenas para ele. Dá pra ver no vídeo.




Hoje, três anos depois, Beatriz toca com meu marido, no Trio de música instrumental. Somos amigas. E depois de tocar para um evento de 500 pessoas, ela perdeu o medo de sair do lugar seguro. Ela agora é requisitada para vários eventos, participações.

E, assim como eu, deixou 'Clair de Lune' impressionar a alma.

E eu estou aqui, contando tudo isso, porque a Naznin publicou um artigo lindo sobre o Arabesque e, com sua pesquisa muito bem feita, de alguma maneira chegou na música de Debussy. Era uma música que eu não tinha, e ela gentilmente me enviou.

Quando eu comentei que havia dançado 'Clair de Lune', ela quis ver.
E eu me lembrei que o dvd estava empoeirando na estante, e então assisti, postei no You Tube e agora, coloco aqui, para ela e para todos vocês.

Que cada um tenha a sua impressão.
E eu desejo mesmo, com todo o carinho, que cada bailarina possa vivenciar isso: uma música, uma dança, um momento mágico em cena, pois é disso que são feitos os sonhos.
Do momento fugaz, da impressão que fica.

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* e para quem quiser baixar 'Clair de Lune, está aqui ó.
Naznin, muito obrigada por compartilhar. Se tem uma virtude que eu admiro, é a generosidade.