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terça-feira, 20 de outubro de 2009

O Botão do 'Desliga'/'Off'


É preciso ser forte, até para sorrir

A Psicologia tem muitos estudos sobre a capacidade do ser humano de adaptação e mecanismos de defesa.
Casos de pessoas que após acidentes esquecem da sua própria dor e salvam demais vítimas; pessoas comuns que descobrem uma força descomunal ao levantar objetos para resgatar feridos; mães que ficam a mais de dez anos procurando por seus filhos desaparecidos sem perder a esperança e a saúde.

Ontem eu assisti um especial sobre essas mães na Tv Record e fiquei impressionada com a grandeza do ser humano. Tem o link da história delas aqui ao lado, no banner 'Desaparecidos-Ajude'.
Pensei em tanta coisa antes de escrever e tudo o que consegui me lembrar foi do 'Botão do Desliga' que as vezes encontro em mim. E já pude presenciar alunas fazendo uso desse mesmo mecanismo. Ele não é só meu.

Onde fica esse botão do desliga?
O que ele faz?
Eu não sei bem como explicar, mas acredito que ele é uma ferramenta que apenas os corajosos possuem. Acredito que, em artistas, é bem mais elaborado e poderoso.

É o que nos permite fazer um show, alegrar a platéia, emocionar as pessoas, mesmo quando por dentro, nossa alma, nosso coração, está em pedaços.
Nesse instante, o 'botão' é acionado e imediatamente, desligamos tudo de ruim e nebuloso, para deixar fluir apenas a arte, a dança.

Quando eu lia sobre 'ser cênico', entrar em cena, incorporar o personagem - do teatro,para otimizar meus shows - eu achava tudo isso papo furado. Ou, de uma frieza sem fim. Imaginava como ser técnica ou não passar minha emoção quando tudo estivesse naufragando dentro de mim?
Ao mesmo tempo, por mais que tentasse disfarçar, a dança sempre mostrava algumas nuances do meu estado de espírito. Fosse pela minha escolha musical, ou pelo tônus em cena.

Com o tempo, percebi que esse 'botão' poderia ser melhor controlado. E isso, só a vida ensina. Mas ajuda muito ler, ter auto conhecimento, e preparo emocional.

Agradeço imensamente um conselho que recebi do Habib -Jorge Sabongi. "É preciso controlar e entender sua emoção". Ele indicou 'Inteligência Emocional' e esse livro me ajudou muito.
É preciso dar valor ao que está dentro de nós, já que a dança mostra tanto o que, por vezes, tentamos esconder.

Minha primeira experiência foi em dupla, foi compartilhada.
No dia em que recebi o diagnóstico de que minha cachorrinha tinha poucos dias de vida, eu tinha um show para fazer. Meu grupo havia sido contratado para uma festa country e tínhamos até uma coreografia específica.

Minhas alunas iam chegando, e eu tentando me acalmar, tentando esconder que estava em frangalhos. Marina, que hoje é professora - e passa uma temporada no México, chegou diferente.

Eu e Lótus, dias antes dela falecer


Ela me contou: havia perdido sua cachorra,Sara.
Éramos duas, num grupo de cinco, que iriam dançar com o coração partido.
Eu achei que não fosse conseguir.
Mas quando a música começou, olhei para as companheiras de cena, o botão agiu.
O 'desliga' funcionou e eu dancei, me diverti, e simplesmente esqueci de tudo de ruim, ainda que por momentos.

Nosso show, sem tristeza

Pode parecer besteira - mas acho que só vai pensar isso alguém que nunca teve um animal de estimação - mas esse foi meu marco inicial do 'Desliga' emocional.

Existe também o 'Desliga' físico, onde esquecemos da dor muscular,ou até mesmo de fraturas e lesões.
Como quando eu dancei com o cóccix trincado - caí,durante o banho, dois dias antes da mostra,em 2004 - e quando lesionei a virilha, e dancei meu solo na Unip, este ano.
Dor? Só na hora que a música acabou. Durante? O botão do Desliga agiu lindamente.

Sorrindo, mesmo com o cóccix trincado

E isso é ao mesmo tempo precioso e perigoso para o artista.

Precioso, porque somos capazes de nos 'desligar', aindaque por instantes, de nossa condição 'humana' e mortal,com feridas físicas e emocionais; perigoso por usar isso como uma fuga, ou condição para sentir-se 'sobre-humano' ou 'super humano'.

Eu aprendi a controlar, e também a me render. Já cancelei aula ou apresentações por motivos maiores. Não quis forçar a minha ferramenta do 'Desliga'. Porque sou humana, e ás vezes não consigo dançar. Foi assim na despedida da Marina, eu estava tão triste, que não dancei, porque só tinha tristeza em mim e, por mais que procurasse, não encontrei nada que me deixasse fluir.

Despedida da Marina, não consegui dançar, de tanta tristeza.


As vezes, é preciso parar.Saber a diferença entre persistir e insistir.


Já vi alunas dançando logo após assinar um divórcio, terminar um namoro, ter um diagnóstico grave em família, ou voltando da radioterapia.

E fico pensando, maravilhada, em como Deus foi sábio em criar esse botão.

E em como tenho o privilégio de poder usá-lo e poder ver, de pertinho, amigas da arte fazendo o uso do mesmo.
As vezes é preciso.
Pois o show tem que continuar.
E nosso público merece.