Estes dias li um texto interessante como o excesso de
racionalização acaba por dissolver a essência simples, mas harmoniosa de certas
coisas, bloqueando o fluxo que a nutria anteriormente de forma natural,
inibindo sua expressão.
A racionalização e o estudo técnico servem para dar
base para algo maior... a expressão de nossa alma, de tudo que temos dentro
dela.
Já ouvi muitas vezes que a Dança do Ventre e outras
danças folclóricas egípcias tem “personagens” diferentes a serem interpretados
nas diversas partes da música. Hoje vejo diferente, até mesmo porque, em algumas
correntes de interpretação, a personagem nasce do próprio ator. A personagem é
o ator na situação e com as reações da personagem. É como você reagiria se
estivesse em tal situação, com tal histórico de vida, com tais pessoas, em tal
ambiente. Atuar é você na situação proposta pelo autor, o texto é um estímulo
para sua interpretação.
Claro que existem situações e personagens muito
diferentes do que somos hoje. Para dar vida a alguém tão diferente, temos um
recurso poderoso: a imaginação. Imaginar como agiríamos se fossemos tal pessoa
(personagem).
Por que uma egípcia “sente” a música? Por que ela vive
naquela realidade ou próxima dela, o preenchimento interior (sentimento) é
natural...
Por que ninguém dança samba como brasileiro? Por que
faz parte da nossa realidade, crescemos com a escola de samba, o tocar do
tambor toca no nosso coração. Quem não sente o tambor no coração não consegue
dançar...
A bailarina dança o que ela é e da forma como ela
sente. Eu danço o que eu sou. O que muda é o estímulo, que neste caso é a
música e sua composição. Agora, para reconhecer e sentir este estímulo de uma
cultura que não é a nossa, devemos ter contato não só com a dança, mas com a
cultura e realidade deste povo representado, pesquisar como deve ser sua vida,
seus sentimentos e aspirações. Além de uma base técnica, de um corpo vivo e
treinado capaz de expressar o que temos interiormente.
Há um trabalho externo a ser realizado, em termos de
pesquisa cultural e estudo técnico da dança, e um trabalho interno. O trabalho
interno é o pensamento, a imaginação, é trazer a realidade daquele povo para a
sua dança. Assim, através de um meio racional, conseguimos atingir e
sensibilizar nosso meio interior, enchendo nosso subconsciente de informações a
serem utilizadas posteriormente, de forma “intuitiva”. Enquanto criamos, preenchemos os movimentos
com todo este conteúdo, que, misturados às nossas vivências pessoais,
transbordam em nossa dança, em expressão pura do que somos, inspirados pelos
sentimentos de povos distantes.
O momento da apresentação é o momento da consciência,
da presença, da entrega, da confiança no seu processo. Não dá para se entregar
com o pensamento preso em questões técnicas. Hora de dançar é hora de deixar
fluir... todo o seu trabalho anterior.
Sou Millah e assim falei...
“As
regras servem para estimular e mostrar um caminho,
não para podar a criatividade”.*Por Millah Marcucci